O que uma certificação pode ensinar ao empreendedor

Publicado em 17/09/2015

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A primeira certificação brasileira de responsabilidade social, a NBR 16001, estava recém-lançada quando a Associação Comercial de São Paulo (ACSP) decidiu obtê-la para seu sistema de gestão. “Foi uma tarefa complexa”, afirma Amaragy Barros Martins Junior, gerente da Qualidade e Serviços Internos. Nenhuma outra entidade empresarial no Brasil contava com esta experiência para servir de referência. A ACSP assumiu o pioneirismo. Não foi suficiente o know how de anos em outra importante certificação, a ISO 9001, selo garantidor de qualidade da gestão, obtido pela ACSP em 1999. A complexidade da NBR 16001 - Sistema de Gestão da Responsabilidade Social trouxe desafios inéditos. O selo não trata apenas da gestão interna, mas pretende assegurar o compromisso das organizações com práticas sociais, ambientais e econômicas para toda a cadeia de valor. Isto é, clientes, colaboradores, fornecedores e comunidade, entre outros. Além dos requisitos de qualidade e saúde e segurança, a norma dá grande peso às questões de direitos humanos, trabalhistas, ambientais, de governança e às relacionadas ao consumidor e à vizinhança, avaliando como a organização se comporta em relação a cada um. “Tratamos a melhoria da gestão e a obtenção da 16001 como uma questão estratégica, alinhados à presidência”, diz o gerente. A presidência era então ocupada por Alencar Burti, atual presidente da associação. O apoio do presidente é considerado um dos fatores críticos para o êxito do processo. CORREÇÃO DE ROTA Os primeiros passos foram dados em 2007, com a ajuda de uma consultoria, conta Amaragy. “Logo vimos que não estávamos preparados.” A entidade decidiu, então, adiar o pedido de certificação por um ano enquanto corrigia os processos internos insatisfatórios. Com a gestão aprimorada, a ACSP obteve a certificação em junho de 2009. O organismo certificador é a Fundação Vanzolini, órgão ligado à USP. Na visão dos especialistas, o que aconteceu com a entidade demonstra uma das grandes qualidades de um processo de certificação –dar a chance para uma organização visualizar onde as coisas não estão funcionando bem e o que precisa ser melhorado. Uma certificação bem aproveitada não se resume a organizar melhor as informações, como muita gente pensa. O selo valoriza de fato os negócios ao ajudar a empresa a produzir com mais qualidade e rapidez a um custo menor. O VALOR DA CERTIFICAÇÃO Mesmo sendo cada vez mais exigidas em processos de concorrência e tomada de preços, as certificações ainda despertam resistência entre as empresas. Elas temem as dificuldades e os custos do processo, sem avaliar os benefícios que representam para o negócio. Para começar, certificações atendem questões regulatórias e exigências dos consumidores, cada vez mais impositivas a quem está no mercado. Atendimento ruim, infração de leis trabalhistas, dano ambiental, desorganização tributária e comunicação negligente são alguns dos problemas recebidos com intolerância pelo público ou potenciais parceiros de negócios. Estar em conformidade com leis e regras, neste cenário, é apenas o requisito mínimo. Quando uma empresa tem uma ou mais certificações, está comunicando aos interessados, de bate pronto, que tem desempenho qualificado nas diversas áreas de gestão e merece a confiança de quem pretende fazer negócios com ela. ZONA CINZENTA “Há um entendimento equivocado sobre o processo de certificação”, confirma o gerente da ACSP, “como se impusesse regras à organização. Pelo contrário, o organismo certificador apenas audita o que já está previsto na legislação e deveria ser cumprido.” A vantagem de se submeter a uma certificação, segundo ele, é o fato de a organização passar a ficar atenta à legislação e aos impactos que causa, o que antes ignorava ou negligenciava. “Há fatos, como a destinação de resíduos, que ficam muito distantes de organizações não industriais como a nossa. Não sabíamos da importância de questões como descarte de lâmpadas e materiais eletrônicos. Com a certificação, passamos a atender 100% dos requisitos de legislação.” Segundo ele, a organização começa a agir corretamente porque ganha conhecimento e não porque o organismo certificador obriga. A equipe responsável viveu esta situação na pele durante a fase de levantamento dos resíduos gerados pela ACSP, lembra o gerente. “Encontramos um estoque de tinta de jornal que se encontrava armazenado há 20 anos sem utilidade.” Para fazer o descarte do material dentro dos procedimentos legais, a associação contratou uma empresa especializada. São empresas habilitadas a fornecer a documentação, com dados como a identificação do resíduo, a descrição do processo de descarte e a garantia de que foi encaminhado para um local adequado. Isto é, adotam os procedimentos que possibilitam atender um dos objetivos da certificação - registrar as evidências que demonstram o cumprimento da legislação. “No entanto, a própria transportadora ficou admirada de estarmos sendo tão corretos”, lembra Amaragy, “e chegou a sugerir que jogássemos fora de qualquer jeito.” GARANTIA DE VERACIDADE Os organismos certificadores são entidades independentes autorizadas pelo órgão regulador internacional a emitir o certificado, após verificar se as normas foram cumpridas. Em síntese, seu papel consiste em carimbar um “é verdade” na documentação que relata os processos avaliados e os resultados, se estiverem de acordo com as normas. Compulsórias ou voluntárias, existem normas e certificações para atender interesses diversos – de gestão, como a ISO 9001; saúde e segurança, como OHSAS 18001; de produtos ou serviços, como Inmetro; e as profissionais, como a PMI para os especialistas de TI e a CFP para consultor financeiro. Antes disso, no entanto, há o longo período de mapeamento e preparo interno que o próprio interessado precisa fazer, começando pela implantação de um sistema de gestão. Para isso, utiliza como guia o documento do organismo certificador, com o detalhamento das medidas requeridas. Pela sua complexidade, muitas organizações preferem contratar um consultor para ajudá-las a fazer a transição para as melhores práticas. Quando a organização se sente preparada, chega a hora de se submeter à auditoria do organismo certificador. Ele é representado por um órgão independente, sem qualquer ligação com a organização ou com a consultoria que apoiou o processo de adequação. Esta auditoria checa in loco os dados e processos para conferir se a organização cumpre mesmo tudo o que apregoa. LIÇÃO DE CASA Ao buscar a certificação, a ACSP tínha interesse em avaliar e divulgar práticas sustentáveis adotadas internamente. “Nas três esferas avaliadas pela 16001, estávamos em diferentes estágios de avanço”, explica o gerente da entidade. Na área ambiental, havia muito a fazer. “Pelo fato de estarmos em um prédio comercial, não havia a noção de quanto significavam as questões ambientais, em especial o descarte de resíduos”, diz Amaragy. “Desde a implantação do certificado, pagamos para descartar lâmpadas, pilhas e baterias. Mesmo com orçamento apertado, continuamos a manter estas ações e a documentar o cumprimento dos procedimentos.” Na questão social, as iniciativas não estavam estruturadas. “Criamos padrões para apoiar os projetos e acompanhá-los. Padronizamos os requisitos de documentação e a análise de resultados e fazemos visitas para verificar pessoalmente as condições das instituições apoiadas. Com o monitoramento, constatamos que algumas não tinham nem os documentos da prefeitura.” Mais amadurecida, “a esfera econômica foi trabalhada principalmente em relação aos itens de governança, ao qual faltava padronização”. Decorridos seis anos da certificação pela 16001 e 16 anos da conquista da ISO 9001, a ACSP superou fragilidades em vários campos e apresenta ganhos visíveis, listados a seguir. AGENTES MULTIPLICADORES Manter este sistema azeitado depende do grau de assimilação que a organização obteve dessas práticas, pois não se trata de algo passageiro, mas de uma conduta permanente. Tanto que é definida pelo conceito de melhoria contínua, a ser comprovada ano a ano. As duas certificações da ACSP têm validade por três anos, com auditoria externa anual. Passado este período, o sistema prevê a recertificação. No entanto, o que realmente garante a incorporação desses princípios pelos colaboradores é a existência de um sistema interno de auditoria. “Temos um comitê formada por funcionários de várias áreas treinados para atuar como agentes multiplicadores”, explica Amaragy. Definida pela direção, “a estratégia de capacitar os colaboradores procura dar uma linha de continuidade às melhorias. Os integrantes mantêm os colegas informados e estimulados sobre as medidas adotadas. “Embora a área responsável seja a de qualidade”, diz o gerente, “esse movimento ajuda a mostrar que todos são responsáveis pelos cuidados, com reuniões periódicas de avaliação. Assim, a organização incorpora a prática de prestar contas e ter transparência nas ações.” Primeira entidade a ter o selo da garantia de responsabilidade social e primeira associação comercial a conseguir a certificação focada em processos administrativos, a ACSP não mudou os procedimentos após a separação do antigo SPC, atual Boa Vista SCPC, em uma operações distinta . “Passamos a usar os processos para adequar os novos produtos comerciais da associação” explica Amaragy. “O nosso histórico de certificação contribuiu para a formatação do novo modelo de gerenciamento e beneficiou a gestão tanto da ACSP quanto do Boa Vista.” A experiência credenciou a ACSP a ocupar um assento no conselho de certificação da Fundação Vanzolini, ao lado da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e Instituto de Pesos e Medidas (Ipem), entre outros. Diário do Comércio

Sobre o autor

Alberto Spoljarick Neto

Alberto Spoljarick Neto é o gerente de marketing e eventos da Associação Comercial e Industrial de Mogi Guaçu. Formado em Publicidade e Propaganda e Relações Públicas pela ESAMC, ele continua se aperfeiçoando em tendências de consumo de mercado e as aplicando para os empreendedores de nossa cidade.